quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

qualquer banco, qualquer praça

(... ou até sapatos sujos)


Quinze minutos de atraso – algumas manias não se perdem nunca – pensou. Sentado no banco daquela praça, com os sapatos sujos, as mãos geladas, olhos no relógio, mãos inquietas, mãos no bolso para pegar um daqueles cigarros baratos que acabariam por matá-lo. Acendeu. Tragou com força de pulmões sedentos. Fumaça subiu como um suspiro.
Ela chegou – atrasada e radiante como sempre – depois de tanto tempo ainda tinha a mesma mania de iluminar. De fato, ainda mantinha algo de encantador, de inocente, de princesa disney que impulsivamente come a maçã e quando vê já é tarde demais e precisa de um príncipe para salvá-la, mas não aquela princesa, aquela era diferente, eu vi - vivi, quando um belo dia, depois de acordar com o corpo enrolado ao meu, sem rodeios, me disse: olha, cara, paramos por aqui. Segue a tua vida, esse nosso re-la-ci-o-na-men-to (e fez aspas com os dedos) anda muito hardcore pro meu gosto musical. Te gosto, mas... compreende?
Águas passadas, quem se importa? Nada como um dia após o outro e mundo girando. E agora ela estava ali, bem ali, e tossia pela fumaça do meu cigarro vagabundo que depois apaguei pisando com meu sapato sujo.
Ela sentou no banco. Perto. Não, não, um pouco perto – o suficiente pra sentir aquele perfume doce de sempre e ter uma leve, discreta vertigem. Passada a tontura, iniciou-se o teatro: oi-tudo-bem-como-vai-você-quais-as-novidades-da-sua-vida, como-você-está-mudado ou ainda você-ainda-fuma-tanto-assim.
Quis interrompê-la e dizer olha sim, baby, minha vida continua a mesma – mas sem você – o que não me faz a menor diferença. E olha, não, não estou mudado, talvez eu tenha amadurecido um pouco, sem toda essa sua futilidade e labilidade pra influenciar, e sim, continuo auto destrutivo com meus cigarros-suicídio, meu amor, como deve ser, ainda durmo três dias seguidos e ainda tenho noites de insônia, vivo de excesso em excesso, na corda bamba do 8 ou 80, porque não me interessa o que você acha. Mas, tudo o quis dizer foi contido, e o que foi falado foi um quase sussurro de estou-bem-obrigado.
Por um momento, não sabia, afinal, que diabos fazia ali, sentado naquele banco de praça com aquela princesa disney que o fizera o sapo-vilão-lobo-mau-ou-bobo-da-corte de sua particular historinha infantil. Então era isso que ela queria? Não sou seu personagem, baby, me deixa fora dos teus delírios.
Ela chegou mais perto – ele se encolheu – ela encostou no ombro dele – ele, estátua - Então era isso, bitch. Pensou em se desvencilhar dela, mas por qualquer coisa do tipo delicadeza, cavalheirismo, medo ou formação reativa deixou que ela ficasse ali, com aquele perfume entorpecente.
Então ela falou em saudades. Falou algo como sinto-sua-falta e quis ressuscitar as recordações que a que duras penas jaziam em paz, amém.
A vertigem do perfume melado o desnorteou ainda mais. Talvez pela proximidade, talvez só pela companhia daquela mulher, talvez pelos afetos loucos gritando dele, não importa, fato é que estava quase bêbado de qualquer coisa que ainda não sabia dar nome, e escutou as palavras saindo, descontroladas, procurando ouvidos aos quais ferir, olha, não abusa, menina, não me venha com esses lamentos.
Verdade seja dita, meu bem: nos transformamos um ao outro, gradativamente, dias após dias, tédios, insultos, tapas na cara e simbólicos venenos na bebida, em tudo aquilo que mais odiávamos no mundo, aquilo tudo que desprezávamos e pisávamos sem rastro de piedade.
As palavras pesaram. Ela se espantou, desencostou daquele ombro magro, olhou com olhos meio assustados para aqueles olhos meio moribundos – mas invasivos. Necessárias seriam umas muitas doses de vodca e conhaque, mais tarde. Um minuto de silêncio para o fim do amor – e um insight para a libertação – te odeio, ele disse, te odeio muito. Isso é porre de ódio, então. Não faço parte do seu jogo, não gosto do seu tipo manipulador e o seu perfume é péssimo. Não conte comigo nos teus contos de fadas, menina - e como quem repete o drama, continuou – segue a tua vida, na verdade, você sempre foi música-clássica-com-pop piegas demais pro meu hardcore.
E agora ela já poderia pegar sua Victor Hugo falsificada, sair enxugando as lágrimas e ir sofrer calada por ser aquela princesinha que o príncipe não salva do calabouço, nem do dragão, nem bruxa má. E ele poderia só ficar ali, sentado por algum tempo, acender mais um cigarro, daqueles, de gosto de morte em parcelas, e procurar algum caminho torto o suficiente que o levasse pra longe de toda aquela parafernália cor-de-rosa de guria de prédio. Só um caminho torto e sujo, para sapatos sujos.

2 comentários:

camila l. ♥ disse...

muito obrigada por ler meus escritos Thamy.
A gente anda por muitos caminhos tortos mesmos, mas um dia... a gente aprende seguir em linha reta, e com motivos pra dizer: "que seja doce"

good vibes!!!!beijo;*

camila l. ♥ disse...

mesmo:*