domingo, 30 de janeiro de 2011

é puro (des)amor, meu bem

Eu deveria escrever sobre você, rapaz. Sim, por que não? É bom que se escreva sobre coisas bonitas, porque tem tanta coisa feia no meu mundo, no nosso mundo, no mundo que poderia ser nosso e o que fizemos dele antes que fosse, pichamos todas as paredes, você viu? Vandalizamos, esmagamos com os pés as flores do jardim, não sei se você enxerga a sujeira toda, eu espero que não.
Tão bom seria poder colocar em palavras essas coisas todas que eu sinto e pressinto a seu respeito. São coisas muito boas. Limpas. Claras. Coisas simples. Tão bom seria, meu bem. Mas desconfio que ainda há algo não decodificado no meio disso tudo. E talvez um medo de decodificar. Paro, penso, me reviro: e se do decodificado eu acabar com letras e números piscando me dizendo que agora é tarde demais para voltar atrás?
Acho tudo uma loucura, como já te contei daquela vez. É uma loucura que num dia qualquer de abril, agosto, setembro, outubro, novembro, não sei ao certo - mas era mês interminável de café, lágrimas e oscilações de humor variando entre tristeza e raiva e nada melhor que isso - se encontre de forma tão inexplicavelmente simples uma pessoa que você deseja guardar, talvez numa caixinha para que seja só sua, talvez num amuleto para trazer sorte, talvez debaixo do travesseiro para dar sonhos bonitos.
Te confesso, agora, que toda noite penso em você com tanto carinho, meu bem, com uma doçura que chega a dar uma certa dor de cabeça, às vezes. É engraçado e eu rio porque é doce, num abobamento de endorfina. É muito doce. A cabeça lateja forte pela doçura até que eu pegue no sono. Você é muito doce, mas, quem sabe, você ainda não saiba disso, eu também nunca te disse, mas eu espero um dia poder te dizer meu bem você é tão-tão doce e que você me acredite quando eu disser, é o que peço antes de sentir a última pontada no meio da testa (a última é sempre tão forte que faz dormir profundamente).
Lembra de como nos conhecemos? Foi quase um esbarrão. Penso que talvez, mas só talvez, que naquele dia você estivesse mais perdido que eu. Perdido entre as suas lembranças e porta-retratos do avesso, numa porção dupla de agressividade e culpa deliberada. Acho que sim, bem perdido você estava, não estava? Possivelmente as pessoas perdidas se reconhecem umas as outras - mas nem todas estendem a mão. E você me estendeu a mão sem perceber que estendia a mão para um alguém desconhecido tão ou mais perdido que você. Sem conhecer e sem saber, sem se dar conta foi que a tua mão quente encostou na minha mão fria e da troca de calor veio o suspiro – de alívio, não se está completa e irremediavelmente sozinho então, há aqui uma mão quente – colada a minha mão fria nessa escuridão que delicadamente chamamos de ir-tocando-a-vida.
Acho ainda que, talvez, se você tivesse pensado melhor, ponderado, observado mais de perto, teria mantido as suas mãos dentro dos bolsos da calça, segurando seu jeans surrado com mais determinação para não ceder aos impulsos de pular na água e salvar o afogado, quer dizer, de me estender a mão. E talvez eu não teria se quer te visto passar, teria permanecido tapando os olhos com as minhas duas mãos metidas no rosto, com toda a (in)decisão de quem não sabe e nem quer saber, não quer ouvir, não liga mais. Mas você me apareceu enquanto uma possibilidade de saída do poço enquanto eu te apareci como possibilidade impossível de um amor.
E foi tão corajoso que às cegas você me estendesse a mão quente, meu bem, bem a mim que não tinha calor para te oferecer, só um congelado dentro do peito que, aos trancos e barrancos, ainda pulsava e não se sabia até quando porque no meu poço era difícil respirar e a falta de oxigenação dava umas pontadas na cabeça bem no meio da testa antes do enjôo e subsequente desmaio.
Mas escute: não vamos fantasiar demais, não vamos nos entregar à loucura toda, não. Vamos ter bem claramente que eu sou mais uma no meio da sua coleção de casos mal resolvidos, mas talvez com uma dose maior de ilusão. Talvez. Embora um tanto empoeirada, fico até bonitinha na sua estante. Nos envolveremos sem nos envolver. Só superficial que é para não marcar ninguém. Aqui mesmo da estante vou te amar mais do que sei e depois esquecer seu nome. Você, por favor, meu amor, faça o mesmo. Prove que me ama mais do que tudo me esquecendo ali na próxima esquina, enquanto paga uns trocados a uma garota de minissaia que te faça sentir como um homem. Você tem medo de que, baby? Queimaduras, contusões, uma facada perfurando o fígado? Medo de sair da sua concha de fantasia irrealizável, mas que te traz tranquilidade, a sensação de alma sustentada de acasos e desencontros?
Tenhamos bem claro também que eu não me mostro além do que os seus olhos alcançam do sofá até essa prateleira aqui da estante, mas é porque eu tenho medo. Sou medrosa de dar pena, baby. Tenho um medo de que se me olharem mais fundo não haja nada além de um grande espaço oco, só um buraco com um eco gritando que algo ou alguma coisa essencial a mim já esteve ali – mas não está mais, se perdeu, enfim, e eu não sei nem por onde começar a procurar, meu bem, não sei. É medo de queimadura, contusão, facada no fígado, medo de sangrar até esvair sem me dar conta disso. Medo louco de tentar e não conseguir sentir a faca entrando.
Então com a sua mão quente você me crava entre as costelas a fria lâmina da faca. A lâmina entra até o cabo de madeira quente, e eu não sinto dor. Está tudo, tudo bem, meu bem. Coloco a minha mão fria sobre a ferida quente, o sangue é vermelho vivo. Ajoelho no chão frio e tusso. Escapa sangue golfado pela boca. É quente.
Vou morrer, vou morrer e não é de amor, eu repito delirante, cuspindo sangue nos teus sapatos. Falo de amor pelas madrugadas, bares e livros com toda a maestria de quem nunca amou na vida. Saio sem rumo inventando amores de todas as formas, de todos os becos, só para saber se ainda sou capaz de amar, só para sentir a faca entrar. E amo todos. E não amo ninguém.
Poças de sangue, poços meus, caio de lado numa anestesia de endorfina. Pontada no meio da testa, bem no centro do ser. É tão doce que enjoa. Nenhuma mão fria ou quente que segure a tua, na hora de partir. Puro (des)amor. Vou morrer – e não dói.

5 comentários:

Anônimo disse...

tava morto e nao sabia..

Keli disse...

Como me vejo nas suas "histórias"
Beijomecurtanoface.

Observador disse...

Querida Thamires como consegue expressar toda sua idéia sendo adepta dos 140 caracteres? seria o rosalixo uma vãvula de escape?

Anônimo disse...

cade?? quero mais!! vamo trabalhar ae!

ass.: anonimo anonimus

Anônimo disse...

e nada ainda..