terça-feira, 7 de junho de 2011

O eu e o último

De repente me bateu uma vontade de saber de você. Uma saudade grande que escrevo fingindo que você vai ler só pra não ir até o seu portão no meio dessa chuva, interfonar em todos os apartamentos do seu prédio até descobrir qual é o número em que você mora e então não conseguir dizer uma só palavra e boba e parada e molhada e morrendo de frio assistir as minhas falas decoradas virando fumaça assim que ouvisse a tua voz.
Confesso que não sei porque fui ouvir aquelas músicas. Aquelas lá, que ouvíamos tanto e que, agora, soam diferentes. Acho que fui ouvir pra te procurar. Faz frio lá fora (ou aqui dentro?). Não sei. E minto. Mas tudo bem, eu não minto pra ninguém – exceto pra mim – mas eu não me acredito. Pra dizer a verdade, acho que sou eu que estou diferente. Talvez mais triste, elaborando lutos enquanto me debato em paredes de memórias pra não te lembrar, numa negação que me consome todas as energias e então exausta eu tropeço em canções que me levam direto pra você. E te lembro, todo dia, todo dia. Então descanso.
Olha que se eu te procurasse e você me atendesse eu diria que queria ter você. Perto, longe, tanto faz. Teria construído um mundinho que é sempre hora de ficar. Fica, sim? Só mais um minutinho, no meu mundinho que poderia ser nosso e não foi, só mais um dia, uma semaninha, um mês... uma vida? E não vamos perder tempo falando das nossas diferenças, certo? Não vamos falar de como você é branco e eu sou preto, de como eu vou a passos largos pela esquerda nos meus caminhos tortos enquanto você vai pela direita e protege com unhas e dentes a sua retidão, de como você é a lei e eu vou fazer uma rebelião a qualquer momento, de como você vai viver cem anos ou mais e eu quiçá a metade disso, não vamos não, porque é perder tempo. É perder tanto tempo, meu bem e o tempo nem existe.
Eu queria gastar meus últimos minutos com coisas mais brandas. Que não queimassem o coração da gente assim, até carbonizar. Minutos finais pra desenterrar uma coragem e te dizer qualquer coisa como escuta aqui, menino, como é bom ter você e etc. Como você é importante sabe como é meu amor. Como eu penso e repenso em você até dormir, penso tanto que nos sonhos você chega a aparecer. Me engasgaria até conseguir dizer, devagarinho: Menino-como-eu-quero-cuidar-de-você.
Mas eu não disse. Eu nunca disse. Porque estou sempre perdida demais na minha confusão, num furacão de más resoluções arrastadas por meses e anos e dores que eu não poderia jamais te afogar nesse caos. E então me afogo sozinha. Vivo me machucando pela vida, joelhos e queixo ralados. Vez em sempre machuco os outros também, sou desastrada e inábil em segurar culpas. Pra não ferir, eu fujo. Juro, é inútil, mas eu continuo correndo. Correndo, correndo. Eu teria tantas coisas pra te dizer, pensando bem, muitas mesmo. Mas eu não poderia dizer... e era porque eu tinha medo. Saco. Um puta medo. Um medo só meu e bem escondido. Às vezes ele aparecia sim, é verdade. Você via, eu te abraçava, os olhos escorriam tal qual torneiras abertas, era medo. Não medo de morrer, não não, antes fosse: era medo de viver. A vida é um risco e está sempre por um fio. Eu tinha medo de perder. Medo de me perder. Medo de perder você com o que quer que eu dissesse. Que numa palavra ou outra esse fio transparente e frágil que nós nos equilibrávamos com um pé só arrebentasse. E eu nada disse - e te perdi.
Acho que no fundo desse copo cheio de cachaça barata que eu chamo de coração, eu queria que você me botasse sentada no seu colo e dissesse cheio de razão um grande NÃO, instituísse de uma vez por todas a lei que eu preciso, você não vai fugir, e ponto, rompesse com as minhas repetições, a mania de estragar tudo, a minha compulsão de tacar vasos no chão pra depois contar os cacos. E agora um abraço e ficamos aqui, para sempre. Vivendo num mundinho sem partidas, sem fugas, sem medos. Aqui pra sempre. Pra sempríssimo.
Mas houve a fuga.
E houve o medo.
E do peso da diferença, criou-se o hiato da incompreensão.
O rádio desligou, e agora? Agora faz frio aqui dentro.
Eu gosto tanto-tanto de você, que te deixei partir.