sábado, 3 de setembro de 2011

Ah, os dias cinza...

"[...] Quando penso desse jeito, enumero proposições como: a ser uma pessoa menos banal, a ser mais forte, mais seguro, mais sereno, mais feliz, a navegar com um mínimo de dor. Essas coisas todas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo. Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce..." (Caio Fernando Abreu - In: Os dragões não conhecem o paraíso)


Acordei, abri a janela do quarto: está um sol lindo. Um dia lindo. Tudo lindo. Tudo lindo-lindo e eu preciso escrever, mas não tem aqui angústia nenhuma. Fotofobia. Não ter angústias me angustia, pensei. Não estou acostumada com coisas dando muito certo, parece a calmaria que (imagino eu) deve trazer um tornado minutos antes de devastar uma cidade inteira. Precisava escrever, precisava. Há dias precisava. Mas não tenho tido muito tempo para fazer um corte aqui e outro ali, esperar sangrar, cicatrizar e etc. A vida anda escapando e os únicos esforços são para economia de tempo - e de energia física e mental, de dinheiro, de sono, de coragem, de lucidez.

Às vezes me incomodam esses dias lindos de sol quente. Esse calor me abraçando forte, pessoas por todos os lados, falando e cantando e dançando e bebendo e sorrindo e tomando sorvetes de flocos. Por isso me lembro de dias cinza. Resgato da memória minha parte monocromática. O céu cinza leva a gente de encontro a tudo aquilo que queremos deixar debaixo dos panos, inexoravelmente. Já quis tapar dias cinza com pequenos sóis até perceber que era inútil. Alimentei um monstrinho ou outro debaixo da cama, em especial, sob dias cinza. O cinza aumenta a fome – e a fome não passa.
Então olho o céu cinza da minha foto de um dia cinza de uma alma acinzentada, coração comprimido e penso: olha, cara, é verdade, "os dragões não conhecem o paraíso" - ou não sabem lidar muito bem com ele. Tem tanta paz aqui que não me decidi se guardo em caixinhas, para que não falte mais tarde quando e se o tornado vier, ou se vivo tudo até enlouquecer de felicidade.


Graças a Deus (e transcendendo aqui a força de expressão), tenho aprendido com pessoas tão lindas quanto um céu azulzinho a ser feliz. Ser feliz em doses homeopáticas, devagarzinho para não sair correndo, porque muita felicidade me assusta. Apesar do medo, ser feliz é bom, dá uma vida na gente, ilumina. Quase não sinto saudades dos meus dias cinza. Daqueles meus dias de ensimesmamento, de cápsula autista, de me trancar em mim e não deixar ninguém se aproximar. As pessoas azul-céu-clarinho chegam com cuidado, batem na porta - eu abro sem me dar conta de que elas não deixam o cinza entrar, e quando ele consegue chegar perto, logo se dissipa. A luz não aceita o cinza.
Por vezes pensei que a felicidade estava extinta. Ser feliz não não não, nunca mais, muito obrigada. Agora - e só agora - vejo tudo mais claro, menos cinza: mentira, a felicidade se ausentou apenas para voltar mais azul- clarinho...
Paro e olho fotos que tirei da vida, ao longo de meses e anos, capto meus dias cinza. Olho-os firme, nos olhos do cinza. Sinto-os em mim mais elaborados – talvez até menos cinza do que eram, como se os monstrinhos tivessem perdido os dentes. Na época o cinza era quase negro, negro buraco-negro. Mas agora é cinza, apenas. E não ofusca meu céu azulzinho. Cresci tanto, amadureci e hoje sou fruta mais apreciável.
Acordei, abri a janela do quarto: bom dia, céu-azul-clarinho. Qual a previsão de tornados para hoje?

Um comentário:

Cesar Franco disse...

oi, estive aqui, li, e adotei o "que seja doce".