domingo, 29 de maio de 2011

desconexão


Dorme menina, o sono também salva, ou adia. (CFA)



A insônia e o choro.

A falta de ar e a tosse.
Coração disparado.
O estômago revira,
a cabeça lateja,
grito abafado pelo travesseiro.
Ninguém escuta.

...

Aspirina e outras drogas pra dor existencial são placebo, menina. A ferida é sempre mais embaixo. É sempre ali, mais no fundinho da constituição do ser, nas vísceras, no ponto em que se relar, sangra – e sangra até a última gota. Naquela noite teve febre. Acordou algumas vezes de pesadelos confusos com abismos e fugas, que enquanto fugia, caía, que se levantava e corria, caía uma, duas, três vezes e depois perdia as contas e acordava com gosto de terra na boca, sentia entre os dentes os graoszinhos dissolvendo na língua. Suava colada ao cobertor molhado, tiritando, dentes batendo, o frio cortando, cabelos molhados, face encharcada. De mau a pior: tossia. Com força, o peito chiava, comprimido. Garganta machucada pela tosse perigava sangrar, da essência já vertia sangue. E as vísceras extirpadas. Cara inchada, olho pregado. Abriu os olhos, teto rodava. Nada dá jeito. Nem ninguém, nem ninguém. Levantou a cabeça do travesseiro ensopado, fechou os olhos e sentiu o mundo girar. Andou cambaleando, tropeçando nas pernas. Era porre sim, mas pior que porre de álcool, coquetel de psicotrópicos ou sei lá, é porre de tristeza. Daqueles que você acorda tão-tão fodido que só deseja que o fim do mundo já tenha começado quando você abrir a janela pra fumar aquele último cigarro amassado que sobrou perdido no fundo da bolsa. Janela fechada. Porta trancada. E chave por dentro. Com as unhas vermelhas descascadas e roídas até o sabugo, se garrou nas paredes e trançando as pernas foi até o banheiro. A cara refletida no espelho doía. Era triste e doía. Era jovem, perdida, decepcionante e (se) doía. E como proceder diferente? Como não ser daqueles bichos que ninguém adestra? Doía e não era a primeira vez. (Me domestiquem! Me domestiquem! Gritava. Gritava tanto.) Não seria também a última, sabia – e gritava mais. Pasta na escova, escova na boca, tosse de novo e de novo, tossindo abaixa a cabeça contra a pia enquanto segura a torneira e deixa a escova cair, perde o ar, tosse e é o choro que volta, escova na garganta e o enjôo. Chão frio no rosto.
Bom dia. Mas muito bom dia para você.  

Nenhum comentário: